Cartilha ensina a cuidar da saúde bucal de crianças com autismo

Sob coordenação de professor da USP, equipe criou cartilhas para ajudar pais e profissionais no cuidado de pessoas com o transtorno

Pode parecer estranho, mas a higiene bucal é uma questão básica quando o assunto é o autismo. Para quem possui o diagnóstico, manter a boca aberta por muito tempo ou o mínimo contato da escova com os dentes podem ser tarefas complicadas, por terem uma percepção sensorial diferente – o que pode ocorrer não apenas em relação ao toque, mas aos sons, cheiros, alimentos e à visão. Essas e outras informações podem ser encontradas em uma cartilha pedagógica gratuita voltada para profissionais e cuidadores de pessoas com autismo.

Capas das cartilhas sobre autismo – Fonte: Divulgação
O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é uma condição neurológica caracterizada por uma grande sensibilidade e dificuldades de socialização e comunicação. Quanto mais cedo o diagnóstico é feito, melhores as chances de desenvolvimento da pessoa. Por esse motivo, o material foi pensado para auxiliar no cuidado de crianças, a partir de uma linguagem acessível e de ilustrações. O processo de adaptação a uma nova rotina e a implementação de novos hábitos são mais difíceis quando a pessoa com o transtorno está na fase adulta, tanto para ela mesma como para o cuidador.


A ideia de criar o manual veio do professor Eder Cassola Molina, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, inspirado pelo convívio com o filho Enzo, que tem o transtorno. Desde a primeira vez que o levou ao consultório, ele percebeu as diversas dificuldades que o menino enfrentava. Dentista de Enzo, Adriana Gledys é especialista na relação da odontologia com o autismo e é uma das autoras da cartilha. “Existem crianças que precisam que os pais só orientem ‘filho você precisa escovar o dente’; ou que o pai tem que fazer junto; e tem aquele que não fará sem um apoio maior”, exemplifica a profissional.

Eder Molina conta que o manual aborda uma necessidade importante: explicar à criança, antes da escovação ou da consulta, o passo a passo dos procedimentos que serão feitos. A prática resulta em uma maior confiança e estimula a colaboração do paciente. 

O projeto também produziu o informativo Entendendo o Autismo, que trata de forma leve os mitos e verdades sobre o tema. De acordo com Adriana, essa abordagem é importante porque contrasta com as diversas informações incorretas disseminadas na mídia sobre o assunto. Pensado principalmente para quem não conhece essa condição neurológica, o material busca ajudar no combate a certos preconceitos e estereótipos.

A elaboração do conteúdo das duas cartilhas contou com a participação de Adriana Moral e Estela Hosoe Shimabukuro, do Centro Lumi, instituição que trabalha no atendimento terapêutico educacional a pessoas com autismo.

Entre os mitos desvendados estão características como a genialidade e a indiferença, por exemplo. A sensibilidade é colocada como uma marca importante do comportamento autista, que torna atividades aparentemente simples mais complicadas que o usual. Também são abordadas questões mais técnicas, como o fato de que o transtorno não é contagioso e nem pode ser identificado como doença.

Um dos exemplos, que mostram a falta de informação e a própria sensibilidade dessas crianças, é descrito por Molina, sobre seu filho:

“Ele adora ir ao shopping comer batatinha de determinado fast-food. Mas como a sensibilidade dele é muito grande, se eu comprar batatinhas que não são dessa marca ele não come. Se a batata estiver murcha ou fria, a mesma coisa. Tem que ser quente, feita na hora e daquele lugar específico. Aí, quando eu faço o pedido, digo: ‘Escuta eu quero uma batatinha feita na hora’. E eles respondem obviamente que toda batatinha é feita na hora. E então eu digo: ‘Não, não é’. No final, tenho que conversar com o gerente ou atendente e explicar o que ocorre, que não é frescura. Porque às vezes a refeição dele é aquela.”

Então conscientizar as pessoas de que isso é uma necessidade não é frescura, um “mimimi”, criança mimada ou alguma coisa assim, é muito difícil.

A produção das cartilhas foi financiada por um edital da USP de apoio a projetos de cultura e extensão universitária sobre direitos fundamentais e políticas públicas. Elas estão disponíveis para leitura e download nos links abaixo:

Interessados em adquirir as versões físicas do material podem entrar em contato com o professor Eder Molina pelo e-mail eder.molina@iag.usp.br.

A parceria entre o professor Molina e a dentista deverá se ampliar para além dos informativos: eles pretendem trabalhar na elaboração de um aplicativo para celular. Ainda em processo de construção e sem nome definido, a ferramenta – tema da tese de doutorado de Adriana – apresenta de forma interativa as tarefas principais a serem realizadas na ida ao dentista. “Como resultado, a aceitação das crianças às técnicas odontológicas é muito boa. O aplicativo vai apresentar, entre outras coisas, o que é o dentista, a cadeira e o motor”, adianta o professor.


Programa Autismo: Um Jeito de Ser 
Todos os Domingos, às 8h, pela Rádio Popular FM 107.9 de Cruz Alta


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