Autismo em crianças: estudo mostra que dietas especiais não alteram comportamento


Entenda a pesquisa e veja a opinião de um especialista no assunto

Crises epilépticas, pouca interação social, ações repetitivas, dificuldade de comunicação... Esses são alguns dos comprometimentos que podem ser observados em crianças com transtorno do espectro autista. Na tentativa de minimizar tudo isso, muitas famílias passaram a adotar dietas especiais (livres de glúten e caseína) e a recorrer a suplementos alimentares para os filhos. Tais medidas eram baseadas em pequenas pesquisas científicas.

No entanto, uma recente revisão de estudos, publicada no jornal científico Pediatrics, contraria essa ideia. Os pesquisadores analisaram uma série de trabalhos anteriores sobre o tema e concluíram que ainda não há evidência científica suficiente para confirmar a eficácia das dietas ou do uso de suplementos, ou seja, essas medidas não seriam capazes de alterar o comportamento das crianças com autismo.

CRESCER entrevistou o biólogo molecular brasileiro Alysson Muotri, que estuda o autismo e é neurocientista da Universidade da Califórnia (EUA). A seguir, veja a opinião do especialista sobre essa nova revisão de estudos:

Em que era embasada, até então, a adoção de dietas especiais ou suplementos nutricionais para crianças com transtorno do espectro autista?
Autistas, em geral, possuem uma dieta restrita. São difíceis de se alimentar porque as sensações (gosto, textura etc.) não são necessariamente as mesmas de um neurotípico [indivíduo que não apresenta distúrbios psíquicos significativos]. Isso faz parte do quadro sensorial alterado por neurotransmissores durante a gestação. Essa observação faz com que se tente suplementos alimentares na expectativa de suprir as vitaminas essenciais que possam estar faltando por conta da má-alimentação. No caso da dieta sem glúten e caseína, é mais difícil de se determinar exatamente o motivo dessa adoção. Acredito que deva ter sido originado pelo fato dessa dieta ter melhorado o comportamento de alguns autistas celíacos ou com epilepsia (no passado, usava-se esse tipo de dieta para controle de epilepsias) e isso foi se generalizando com o tempo. Hoje, sabemos que a melhora comportamental em autistas celíacos ou epilépticos se deve ao controle da comorbidade [quando há dois diagnósticos associados] e não à dieta. Outras explicações foram surgindo para justificar essas dietas, como uma redução de inflamações, alergias ou controle da microbiota intestinal, nenhuma com relação causal com o autismo. Além disso, temos uma forte influência da indústria da dieta e suplementos nas famílias.

Qual é a sua opinião sobre essa revisão de estudos?

Existem diversos estudos sobre dietas especiais e autistas, com resultados controversos. Esse último estudo faz uma “metanálise”, ou seja, uma compilação e leitura crítica desses trabalhos eliminando aqueles que não foram feitos direito, como por exemplo, usando metodologias com viés ou pequeno poder estatístico. O que resta, no final, são trabalhos que foram feitos dentro do rigor científico e que demonstraram que dietas especiais e/ou suplementos alimentares não alteram o comportamento autista. De certa forma, esse resultado não me surpreende. Muitas famílias relatam que isso realmente não funciona ou tem efeito passageiro. Em outras famílias, o fato de que a mudança na alimentação não causa efeitos colaterais imediatos (ninguém sabe a consequência dessas dietas no autista a longo prazo) e é algo relativamente barato, isso cria uma sensação de “pelo menos estou fazendo algo” no psicológico da família que opta por continuar o tratamento. Mas é preciso considerar os seguintes pontos: as dietas específicas e restritivas podem causar estresse no autista e no resto da família. Isso precisa ser considerado. Por outro lado, há casos de autistas com mutações genéticas em algumas vias metabólicas podem se beneficiar de uma dieta específica. O aconselhamento genético antes de se começar uma dieta é recomendável.
Fonte: Crescer. 06/06/2017 08h56

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